
A virtude no gesto da menina
Primeiro de Maio, 1996 — Pedra dos Búzios, Vila Velha.
Mudamos para Pedra dos Búzios, em Vila Velha, e por alguns dias ficamos sem reunir. Meu pai seguia pastor pela CADEESO, mas já não estávamos no antigo ministério, a Assembleia de Deus no Alagoano, aquela que ele mesmo fundara e entregara ao pastor Manoel Samora. Foi um breve silêncio de igrejas, um intervalo entre um rebanho e outro.
Não demorou e uma menina, um pouco mais velha do que eu, apareceu com um convite simples e luminoso: “Vamos à Primeira Igreja Batista do Primeiro de Maio?” Morávamos na Alameda Caboclo Tamandaré; a igreja ficava ao fim da alameda, à direita. Pedi permissão aos meus pais; eles assentiram. Haveria uma apresentação teatral. Eu, que quase nunca saía sozinho para cultos, fiquei entusiasmado: outra liturgia, outros cânticos, outro modo de dizer Deus.
Minhas expectativas corriam à frente dos passos: imaginei um templo cheio, um pulso vivo. Mas, ao chegar, encontrei uma casa simples, pouca luz, um ar turvo. Poucas pessoas, semblantes cansados. Lembro de um homem com o cotovelo no banco, sustentando a cabeça entre as mãos. E, apesar disso, fui recebido com uma alegria que clareou o ambiente. A menina brilhou de contentamento por eu ter vindo. Não guardei seu nome, nem seu rosto, guardei o gesto. Ela marcou minha vida: foi das primeiras a me convidar para algo que valesse a pena. Era 1996.
A peça começou. Não recordo o enredo com nitidez, apenas imagens: vidas duvidosas, juízo, inferno como espelho tardio, um chamado à mudança ainda em vida. O teatro, ali, catequizava com imagens que se agarram à memória. Gostei muito. Foi culto-sem-ser-culto: faltou-me certa “pulsação”, mas houve virtude na mensagem e na coragem daquela menina. Estranhei o pastor sem terno: calça jeans, camisa estampada, manga curta. Outro costume, a mesma procura.
Naquele dia pisei pela primeira vez numa igreja batista e fui tratado muito bem. A Primeira Igreja Batista do Primeiro de Maio entrou na minha história pela porta estreita de um convite e pela cena de um palco simples, onde Deus sussurrou baixinho: “vem”.

