Sociedade e Cultura
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As Primeiras Pedaladas: Entre o Amparo e a Liberdade
Lembro com clareza do dia em que meu pai chegou em casa com uma bicicleta Monark verde e preta, novinha em folha. Ela era linda, brilhava à luz do sol, como se carregasse consigo a promessa de aventuras que ainda não conhecia. Para uma criança, ter uma bicicleta nova era como receber as chaves para um mundo maior, um mundo que se estendia além do quintal de casa. Mas, antes de conquistar esse mundo, havia um desafio: aprender a pedalar. No quintal de nossa casa, no bairro Grande Vitória, o chão era coberto de areia. Um terreno improvisado, mas perfeito para as primeiras lições. Meu pai, com sua paciência inabalável,…
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O Choro do Meu Pai: Quando a Dor Visita os Fortes
Era uma manhã comum, ou pelo menos parecia ser. Estava sentado no tapete da sala, olhando ao redor com o olhar curioso e atento de criança. À minha esquerda, a estante com o aparelho de som repousava imóvel, como um guardião silencioso. Daquele ângulo, podia ver a porta, uma parte do meu quarto, o quarto dos meus pais e o corredor que levava à copa. Tudo parecia em seu lugar, um retrato de normalidade que logo seria interrompido. Foi então que ouvi um som inesperado. Um choro. Mas não era um choro qualquer, era potente, profundo, o tipo de choro que carrega o peso de algo irreparável. Virei a cabeça…
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Memórias na Piscina: O Reflexo do Passado
A adolescência é marcada por fases, por vezes intensas, que moldam nosso olhar para o mundo e para nós mesmos. Em minha adolescência, um dos lugares que mais amava frequentar era o Vitória Futebol Clube, um espaço que se tornou uma extensão da minha casa, quase como um santuário de descobertas e superações. Foi lá que me conectei com a natação, uma prática que abracei por dois ou três anos, graças ao programa da Secretaria de Esportes da Prefeitura de Vitória. Não era apenas um lugar para nadar; era um espaço onde construí memórias que ainda vivem em mim. As pessoas me conheciam ali, e essa familiaridade me fazia sentir…
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Executivo: A Imaginação Como Projeção do Futuro
Há momentos na infância que parecem insignificantes no instante em que ocorrem, mas, com o passar dos anos, ganham contornos quase proféticos. Lembro-me vividamente de uma tarde no quintal de casa, no bairro Grande Vitória. Um quintal que mais parecia uma pequena chácara, com espaços amplos que alimentavam minhas brincadeiras e onde a imaginação fazia morada. Ali, entre as paredes de alvenaria que seriam, no futuro, parte de uma piscina que nunca veio a existir, um episódio aparentemente simples se tornou uma marca em minha memória. Naquele dia, eu segurava uma pasta executiva que pertencera ao meu pai. Uma pasta robusta, de couro preto, que ele usava para carregar papéis…
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Caminhos Que se Cruzaram na Infância e se Recriaram no Tempo
A infância tem o dom de nos presentear com laços que, mesmo desfeitos pelo tempo, permanecem em nossa memória com a intensidade de algo que nunca se perdeu. Os primeiros amigos que fizeram parte da minha vida e circularam pela minha casa, cada um à sua maneira, moldaram um período de descobertas e aprendizados. Daniel, Ana Paula, Aline e Keila — nomes que carregam histórias compartilhadas, risadas inocentes e momentos que ainda ecoam na minha lembrança. Keila, com seu jeito determinado, era a mais marcante entre eles. Cresceu e se tornou policial, uma profissão que combina com o espírito firme que ela já demonstrava mesmo em suas brincadeiras de criança.…
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Marcas na Infância: Lições Entre Brincadeiras e Consequências
As tardes na rua eram repletas de risadas, correria e improvisos. Em frente à nossa casa, um espaço entre a minha e a dos meus tios Zeco e Maria, montávamos nossa “arena”. Ali, travinhas improvisadas e uma turma que hoje em dia ficou guardada mais na memória afetiva do que nos nomes. Mas alguns não se apagam: Rafael, meu primo; Josué; Gessé; Whashiton; e Lila. Lila era um garoto branco, magro, que frequentemente jogava sem camisa. Era habilidoso, mas, por vezes, passava dos limites. Em um dia que parecia comum, uma jogada brusca mudou o tom da brincadeira. Lila deu uma entrada dura no Rafael e, como se não bastasse,…
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Cicatrizes de Aço
Nos fundos do quintal do meu tio Zeco, próximo ao muro baixo que dividia nossa casa da casa da dona Marta, havia uma área de serviço, um espaço que se tornava palco de nossas brincadeiras. Naquele dia, uma fogueira dominava o cenário. Não me lembro ao certo o porquê de a fogueira estar lá, mas sua presença logo se integrou à imaginação fértil que movia minhas brincadeiras com meu primo Rafael. Brincávamos de espadas. Minha espada era uma barra de ferro arredondada, brilhante, que eu imaginava ser tão poderosa quanto as das histórias que povoavam minha mente. Movido por um desejo de torná-la ainda mais imponente, decidi introduzi-la no fogo…
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Ensaios da Realidade: O Funeral da Formiga
No quintal de casa, no bairro Grande Vitória, o palco era simples, mas cheio de possibilidades. Bastava uma formiga morta e uma caixa de fósforo vazia para que minha imaginação transformasse o ordinário em algo quase cerimonial. A brincadeira daquela tarde ensaiava um aspecto profundo da realidade: a despedida. A formiga, encontrada já sem vida, tornou-se o centro de um ritual. Peguei a caixa de fósforo e a transformei em um pequeno caixão. Cuidadosamente, coloquei a formiga dentro, fechando a tampa com um senso inesperado de reverência. Em seguida, comecei a escavar a areia do quintal, criando um buraco que serviria de sepultura. Era pequeno, proporcional ao tamanho do ser…
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Memórias de Uma Infância Distante: As Idas e Vindas da Escola
As idas e vindas da escola Maria Stela de Novaes moldavam-se como um padrão inevitável. Não era um caminho escolhido por mim, mas um destino diário conduzido pela necessidade. Dentre tantos colegas que compartilhavam o trajeto, a Jaque começou a se destacar. Era a terceira série, e nós já nos reuníamos em pequenos “bandos” para ir e voltar da escola. Cada um seguia seu rumo ao final do trajeto, mas até então, caminhávamos juntos, construindo uma rotina que, sem perceber, marcaria a memória. Chegávamos à minha rua, e enquanto eu descia para a Rua da Vitória, em algumas ocasiões, acompanhava Jaqueline até a entrada da sua casa. Nunca conheci seus…
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Memórias da Adolfina e da Rota que Mudou
Era 1999, e eu estava na turma da então 8ª série da EEPG Adolfina Zamprogno. Sentava na frente, ao lado da Simone, uma menina inteligente e de conversa agradável. Naquele tempo, a sala de aula era mais do que um espaço de aprendizado; era um pequeno universo onde amizades, sonhos e descobertas compartilhavam o mesmo ar. Havia muitos colegas que marcaram minha vida: Márcio, que até certo ponto era meu “melhor amigo”, morava em Vila Garrido, numa casa à beira do morro, de onde se podia ver uma parte do bairro Pedra dos Búzios. Estive lá uma única vez. Era um lugar simples, mas a vista tinha algo de especial,…