
O Quarto que Me Leva
O Quarto que Me Leva
Entro em um quarto cercado de livros. Lá, mais à frente, repousa uma cadeira com rodinhas — outrora pertencente a um escritório comercial, hoje memória enferrujada. Seus braços denunciam o tempo com ferrugem, e o encosto rasgado revela o que não mais sustenta. Diante dela, duas telas: um monitor de 24 polegadas e uma televisão de 32. Acima, dois olhos eletrônicos — webcams de olhos azuis e vermelhos — que me encaram com a vigilância muda da modernidade.
As paredes não são apenas paredes — são bibliotecas. À frente, ao fundo, à direita, à esquerda: livros empilhados como muralhas de pensamento. Acima, instrumentos em seus estojos silenciosos me fazem ouvir, sem som, o jazz de Nova Orleans. E num rompante, São Paulo me atravessa — seu centro histórico me absorve como um sonho antigo. Olho ao lado: o Cristo Redentor, ali da Urca, se ergue como se me visse.
E num instante, estou em Nova Venécia, descendo rumo a Fundão, com uma parada em Santa Teresa, em um tempo suspenso — 2021. Logo me vejo em Cruz Alta, e Passo Fundo me acena, até que, sem aviso, aterrisso em Brusque. Um sopro e já estou em Catalunha, mas é nos Alpes trentinos que me perco — ou me encontro. Danço num jardim enevoado ao entardecer. A penumbra cobre o rosto de uma donzela vestida de branco. Um véu oculta seus cabelos e seu mistério. A Áustria muda seu rosto, e é Luma quem aparece.
Nas montanhas da Itália me ergo como o Sol. Me visto de luz. E no esplendor da minha angústia, busco a liberdade. Aquela que só se conquista com o que dá combustível… e passaporte.

