Era um domingo de 2008, quando, ainda envolto pelo frescor da manhã, embarquei no ônibus com destino à igreja Assembleia de Deus em Padre Gabriel, uma filial da Assembleia de Deus em Vale Esperança, onde meu pai pastoreava. Naquele dia, meus pais não puderam ir, e eu estava encarregado de lecionar na Escola Bíblica Dominical, que se iniciaria às 8 horas. O sol despontava no horizonte, e o silêncio matinal parecia prometer uma jornada tranquila. Contudo, a vida, com seus desvios misteriosos, decidiu reescrever meus planos.
Sem perceber, havia embarcado no ônibus errado. Quando dei por mim, estava em Campo Grande, na pracinha situada entre a Assembleia de Deus e a Igreja Universal. A constatação trouxe inquietação, mas ainda havia tempo. Poderia me dirigir ao terminal de Campo Grande e embarcar em outro ônibus que me levaria à igreja em Padre Gabriel. Antes de descer, perguntei ao trocador se aquele era o ônibus correto, e ele apenas respondeu que não, deixando-me sem saber em que linha eu estava. Desembarquei com a mente focada em corrigir o erro e seguir para meu destino.
Enquanto caminhava em direção ao ponto, fui abordado por um homem que carregava no semblante o peso de um pedido urgente. Ele perguntou se eu era da Universal e explicou que queria entrar na igreja, mas fora impedido por estar sem camisa. Eu disse que não era da Universal, mas da Assembleia de Deus. Vestia uma camisa social branca de mangas curtas, uma calça preta, e carregava minha Bíblia e a revista da Escola Dominical. Ele me pediu oração, ali mesmo, na rua, entre o ir e vir de carros e pessoas. Sem hesitar, pedi que abaixasse a cabeça e fechasse os olhos. Orei por ele, e suas palavras após a oração revelaram um alívio que transcendeu aquele momento. Sentindo-se melhor, ele me pediu algo mais: que fosse até seu apartamento, próximo dali, para orar em sua casa.
Hesitei internamente, mas algo em mim — uma coragem que não parecia ser minha — me impulsionou a aceitar. Acreditei que Deus queria fazer algo na vida daquele homem. O elevador do prédio estava quebrado, e subimos as escadas até o terceiro andar. O apartamento era um retrato da desordem: poucos móveis, guimbas de cigarro espalhadas pelo chão, e um ambiente que parecia sufocado pelo peso da solidão. Na sala, senti uma direção clara: cantei o hino Deus Velará por Ti, da Harpa Cristã. Suas palavras, especialmente “Nos desalentos, nas provações, Deus velará por ti”, ressoaram como uma verdade eterna naquele espaço. Após o cântico, li um trecho da Bíblia, cuja passagem específica a memória não guardou, e fiz uma oração fervorosa, carregada de propósito.
Ao término, ele me acompanhou até a saída, descendo as escadas para me agradecer. Dei alguns passos para longe do prédio, quando ouvi claramente em minha mente: “Volta e dá dez reais para ele.” A ordem foi inconfundível, e imediatamente retornei. Ele ainda estava próximo da grade do edifício, e ao lhe entregar o dinheiro, seus olhos brilharam com uma mistura de surpresa e gratidão. Ele explicou que ainda não havia tomado café e que nada tinha para almoçar. Disse-lhe que Deus providenciaria o que fosse necessário e segui meu caminho, com uma sensação de ter cumprido algo maior do que entendia.
Quando finalmente cheguei ao ponto de ônibus, percebi que o relógio marcava cerca de 9 horas. Já não havia tempo para chegar à igreja em Padre Gabriel. A Escola Dominical seguira sem mim, e os irmãos, certamente, não compreendiam minha ausência. Contudo, dentro de mim havia uma certeza profunda: aquele desvio não fora acaso, mas uma condução divina. Naquele dia, o propósito estava além das paredes da igreja; estava na rua, no apartamento desordenado, no coração de um homem necessitado de auxílio espiritual e material.
Ao chegar em casa, os “e se…” começaram a rondar minha mente: e se eu tivesse insistido em corrigir o erro e ido direto à congregação? E se tivesse recusado a oração no meio da rua? E se não tivesse subido as escadas daquele prédio? Mas essas questões logo se dissiparam diante da convicção de que o essencial já havia sido feito. O desvio, que à primeira vista parecia um erro, revelou-se uma rota cuidadosamente desenhada por Deus. Foi um dia maravilhoso e assustador, um lembrete de que o propósito de Deus se manifesta muitas vezes nos desvios, nos caminhos que não escolhemos, mas que nos escolhem.
Na igreja em Padre Gabriel, a Escola Dominical seguiu, as lições foram estudadas, e o culto teve continuidade. Mas ali, em Campo Grande, entre as vozes do trânsito e o silêncio de um apartamento vazio, algo grandioso aconteceu. Aprendi que, às vezes, Deus nos desvia para nos usar. E isso, por si só, é um milagre.