A chuva desceu com uma força incomum, quente e salgada, como se fosse feita de sangue. Cada gota parecia carregar a intensidade de algo mais profundo, algo que vinha de dentro e escorria para fora. A luz que antes reinava cedeu espaço a uma penumbra densa, enevoada, onde os contornos das coisas desapareciam, e a identidade se dissolvia.
Meus lábios se moveram, mas não em palavras. Era um balbuciar fraco, um sussurro sem forma. Meus olhos, agora vermelhos como brasas, ardiam, e algo quente descia pelo rosto, misturando-se à chuva. Não era apenas água; era sangue, emoção líquida que escapava sem controle. Um suspiro trêmulo ensaiou romper o silêncio, mas foi engolido pelo vento que rugia ao meu redor.
O tempo parecia roubar pedaços da alma, cada segundo arrancando um fragmento de consciência. Os pulmões, agora assobiando como uma flauta desafinada, eram cúmplices desse momento de transição. Tudo explodia em emoção, uma surpresa tão avassaladora que o corpo não sabia se reagia ou se rendia. Era o fim do mundo conhecido e o início de algo que não se podia descrever.
O vento rugia, não apenas como um som, mas como um chamado. Ele não empurrava, ele puxava. E na força daquele rugido, algo aconteceu. A conexão foi iniciada. Não com o aqui, mas com o lá. Não com o chão, mas com o infinito. A percepção do mundo tangível foi se apagando, e a consciência buscava desesperadamente outro lugar para ancorar.
Nada mais importava. O peso das coisas, dos dias, das palavras, tudo havia ficado para trás. Não havia mais necessidade de aviões, carros, trens ou navios. A viagem que se iniciava era de outra natureza. Era a viagem do espírito, desprendendo-se das amarras do visível e alcançando um lugar onde tudo era silêncio e vastidão.