Eu sou o que não disse. O que não ousou. O que hesitou no instante em que o tempo esperava uma resposta.
Sou a presença oculta no peito não a ausência, mas o sopro sutil do que poderia ter sido. O encanto pendurado ao lado direito da alma, onde moram os pequenos milagres que se revelam apenas aos atentos. Fui mistério por um tempo. Depois, silêncio. Depois, lamento.
Fui aquele que esperou tanto, que se esqueceu de notar que a espera tinha passado. O tempo havia dado sinais mas, por medo, fechei os olhos. Por medo, não telefonei. Por medo, calei. E esse medo me imobilizou tanto, que acabei por me tornar apenas coadjuvante da história que poderia ter sido nossa.
Fui aquele que machucou sem saber. Aquele que sonhou acordado com uma chance que já estava perdida. Que projetou esperanças no alto e tentou tocá-las com mãos ainda infantis sem perceber que, às vezes, o inalcançável é apenas a memória do que não ousamos realizar.
Fui o homem que silenciou. Que engoliu palavras, poemas, cartas não enviadas, gestos inacabados. Que passou décadas calado, não por falta de voz, mas por excesso de temor. Tive medo dos julgamentos, das opiniões oblíquas de quem não escreve mas julga. De quem não ousa mas zomba.
Fui o que lutou contra si. Que empilhou livros, acumulou saberes, planejou o futuro. E viu o tempo passar, o cabelo cair, as forças esgotarem — e o aprendizado nunca florescer como sonhara.
Fui o que teve fome, mas recusou o alimento por medo de não merecê-lo. O que recebeu um presente selado e, por insegurança, não ousou abrir. E viu outra mão retirar o selo do que, um dia, foi preparado para mim.
Sim, fui aquele que nadou em águas que não conhecia. Que correu por estradas que levavam a lugar nenhum. Que dirigiu sem saber o destino. Que patinou em superfícies frágeis, e mesmo assim acreditou que poderia voar.
Fui, sobretudo, aquele que quis negociar com a vida. Que acreditou ser possível ser especial, sem antes aceitar ser apenas humano.
E aqui estou. Um sopro de passado e uma promessa não cumprida. Mas ainda em mim pulsa a fagulha, ainda que tímida de quem pode, um dia, aprender a viver sem medo de viver.