As Primeiras Pedaladas: Entre o Amparo e a Liberdade

As Primeiras Pedaladas: Entre o Amparo e a Liberdade

Lembro com clareza do dia em que meu pai chegou em casa com uma bicicleta Monark verde e preta, novinha em folha. Ela era linda, brilhava à luz do sol, como se carregasse consigo a promessa de aventuras que ainda não conhecia. Para uma criança, ter uma bicicleta nova era como receber as chaves para um mundo maior, um mundo que se estendia além do quintal de casa. Mas, antes de conquistar esse mundo, havia um desafio: aprender a pedalar.

No quintal de nossa casa, no bairro Grande Vitória, o chão era coberto de areia. Um terreno improvisado, mas perfeito para as primeiras lições. Meu pai, com sua paciência inabalável, dedicou-se inteiramente à tarefa de me ensinar. Segurava firme o banco da bicicleta enquanto eu tentava me equilibrar. A areia, com sua maciez, transformava cada queda em algo mais parecido com uma brincadeira do que com um tombo. Caía sem medo, rindo das minhas próprias tentativas desajeitadas. Mas, com o passar do tempo, a diversão começou a dar lugar à frustração.

O que mais queria era sentir a liberdade de pedalar sem a mão do meu pai segurando o banco. Mas, sempre que ele soltava, o resultado era o mesmo: eu caía. Não me lembro exatamente quantos dias passamos nessa rotina, ele segurando o banco, eu pedalando alguns metros e, inevitavelmente, caindo. A bicicleta parecia ter vida própria, decidida a me desafiar. Meu pai, porém, nunca desistiu. Sua determinação parecia dizer: “Você vai conseguir. Eu sei que vai.”

Então chegou aquele dia. O dia em que tudo mudou. Era final de tarde, o céu começava a tingir-se de laranja, e o som das crianças brincando na rua misturava-se ao barulho das conversas das vizinhas. Meu pai olhou para mim e disse com um sorriso decidido:

— Hoje vamos para a rua.

Meu coração acelerou. A rua parecia um palco imenso, e eu me sentia pequeno diante de tantos olhares. As pessoas que passavam observavam, algumas com curiosidade, outras com aquele sorriso de quem já havia passado pela mesma experiência. A intimidade do quintal foi deixada para trás, e ali, na rua, eu sabia que o desafio era maior.

Meu pai segurava o banco com a mesma firmeza de sempre. Sentia sua presença, seu apoio, e isso me dava confiança. Mas, de repente, algo mudou. Ouvi um grito de alegria vindo dele, e só então percebi: ele havia soltado. O banco não estava mais em suas mãos. Eu estava pedalando sozinho! A princípio, nem acreditei. Mas quando olhei para frente e senti o vento no rosto, percebi a verdade. Eu havia conquistado aquilo que parecia impossível. Eu sabia andar de bicicleta.

O sentimento que me invadiu foi indescritível. Era como se o mundo tivesse se expandido diante de mim. Agora eu podia ir mais longe, explorar mais, sentir a liberdade de controlar meus próprios movimentos. Olhei para trás e vi meu pai, parado na rua, com um sorriso que misturava orgulho e alívio. Ele havia me ensinado, e agora, sem que eu percebesse, havia me dado asas.

Aquele momento ficou gravado em minha memória como uma lição de vida. Aprender a andar de bicicleta não era apenas sobre equilíbrio e coordenação. Era sobre confiança, persistência e a coragem de deixar que alguém solta sua mão para que você descubra do que é capaz. Meu pai me ensinou que, às vezes, o amor significa sustentar, e outras vezes, significa soltar. Ele soube o momento certo de fazer ambas as coisas.

Naquele dia, eu não ganhei apenas a habilidade de pedalar. Ganhei a certeza de que, mesmo quando achamos que não conseguimos, há sempre um momento em que a mão que nos sustenta nos solta para que possamos seguir sozinhos. E, quando isso acontece, descobrimos que podemos muito mais do que imaginávamos.

Agora, eu podia dizer, com o peito cheio de orgulho: “Eu sei andar de bicicleta. E tenho uma novinha!”

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