Como é bom o tempo de escola. Um tempo em que a maior preocupação era não ter preocupações. Mas aprendi, mesmo cedo, que quem não tem, sempre encontra. Eu encontrava na escola um lugar de fascínio, um universo onde a curiosidade era o ingresso para mundos que eu não conhecia. Sempre gostei de aprender, de sentar perto de quem sabia mais do que eu e beber da fonte do conhecimento. Que delícia era ouvir os professores falarem, compartilhando não apenas lições, mas fragmentos da vida.
Acordava ansioso para chegar à sala de aula. Cada manhã era uma promessa de descoberta. Triste era quando as férias chegavam, trazendo uma pausa forçada naquele fluxo de aprendizado. A única alegria que as férias traziam era a certeza de uma promoção para o próximo ano letivo. Quando as aulas recomeçavam, a excitação voltava. Na fila de formação, era quase sagrado o ritual de organizar as turmas. O hino nacional? Bem, uma vez por semana era suficiente. Mas o momento de conhecer a nova professora sempre carregava um suspense.
Na quarta série, conhecemos a professora Vera. Pele morena, baixa estatura, calça jeans, óculos de armação preta, cabelos curtos como os de um homem e um olhar severo que parecia atravessar a alma. Não era de muitos amigos, e sua presença dominava o ambiente. Havia algo na sua figura que me fascinava. Pensava que mulheres assim, com uma postura tão rígida, sabiam muito. E quanto mais acreditava que alguém sabia, mais queria ficar perto daquela pessoa. Era isso que eu sentia em relação à professora Vera.
Ao entrarmos na sala, seu jeito logo ficou claro. Não gostava de falar; preferia gritar. Sua forma de chamar atenção era bater na porta, o som ecoando como um martelo que nos silenciava. E funcionava. Quando estava presente, a sala era um templo de silêncio. Quando saía, tornava-se um campo de murmúrios e curiosidades reprimidas.
Um dia, sua ausência momentânea desencadeou um alvoroço. A turma, impulsionada por uma curiosidade quase ingênua, foi até sua mesa. Queríamos ver o diário, aquele caderno misterioso onde nossos nomes e notas estavam registrados. Alguém abriu, e todos se amontoaram. O que aconteceu a seguir está gravado em minha memória com a nitidez de uma fotografia. O som de passos firmes anunciou seu retorno, e sua voz, como um trovão, estourou na sala:
— Quem autorizou vocês a se levantarem?
O silêncio foi instantâneo. Como soldados sob comando, todos correram de volta para seus lugares, tentando parecer inocentes. Mas o olhar da professora Vera não perdoava. Rodando a sala, tamanco após tamanco, ela nos encarava, o som de seus passos preenchendo o vazio. Então veio a pergunta:
— O que vocês queriam na minha mesa?
Minha mãe sempre dizia que eu devia falar a verdade. Mesmo diante do medo, lembrei de sua lição. Mas ninguém parecia disposto a responder. O silêncio era um escudo coletivo, mas senti que devia quebrá-lo. Levantei minha mão hesitante e, com a voz trêmula, disse:
— Queríamos ver os nossos nomes no diário, professora.
Sua resposta veio como um golpe, algo que eu não esperava, e nunca esqueci:
— Ver diário, uma ova!
A palavra ecoou na sala, seguida por uma batida na mesa que fez meu coração disparar. Não sabia o que significava “ova”, mas pela força com que foi dita, entendi que não era algo bom. Era um xingamento, um corte verbal que me atingiu profundamente. A vergonha tomou conta de mim. Não consegui mais falar. Não consegui mais perguntar. Naquele momento, minha curiosidade, antes tão viva, foi calada.
A partir dali, passei a temer falar em público. Cada vez que levantava a mão, imaginava a dor daquela repreensão se repetindo. Comunicação tornou-se algo perigoso, uma ponte que podia me levar ao constrangimento. A professora Vera, com sua postura rígida e suas palavras cortantes, me ensinou que respostas podem ferir, que um ambiente de aprendizado pode ser transformado em um lugar de repressão.
Ensinar deveria ser ampliar horizontes, abrir portas para novas possibilidades. Mas a professora Vera fechou as portas da minha curiosidade e abriu as do meu medo. Como é fácil para um professor, ou qualquer líder, castrar potenciais, sufocar talentos. É um poder que muitos exercem sem consciência, mas com um impacto devastador.
Hoje, ao olhar para trás, vejo que a professora Vera sabia ensinar, mas o que ensinava era o que a ignorância sabe de cor: como calar, como oprimir. Ela me ensinou o peso de uma palavra e como o silêncio pode ser imposto, não por escolha, mas por medo.