O Primeiro Despertar da Consciência: Memórias de Um Fim de Tarde

A consciência de si às vezes desperta em nós com a sutileza de um pôr do sol, sem anúncio, sem aviso. Minha primeira experiência de autoconsciência aconteceu numa tarde, quando ainda era criança, brincando no muro dos fundos de casa, no bairro Grande Vitória. Estava ali, agachado, imerso na simplicidade dos jogos infantis, quando um desconforto tomou conta da minha fronte. Entre os olhos, uma dor pulsante começou a surgir, uma pressão que eu ainda não sabia nomear. Mais tarde, descobriria que era sinusite, mas, naquele momento, tudo o que eu sabia era que a dor havia aparecido, insistente, exatamente ao fim da tarde.

E foi como se, naquele instante, eu tivesse sido despertado para algo novo, uma espécie de percepção da minha própria existência, do meu próprio corpo. Era uma dor que parecia mais do que física; era como se o mundo ao meu redor, o céu que escurecia, o silêncio do fim do dia, a solidão do quintal, conspirassem para criar aquele momento de encontro comigo mesmo. O fim de tarde, com suas cores em transição e sua quietude suave, parecia conter um mistério que eu não podia entender, mas que de alguma forma me envolvia. Associei a dor na fronte àquele instante específico, como se ambos, a dor e o crepúsculo, fossem um só.

Aquela experiência, por mais singela que fosse, foi o ponto de partida para uma série de descobertas internas. Compreendi, ainda que vagamente, que havia uma parte de mim que observava, que sentia de forma mais profunda, que era capaz de se perceber. O mundo externo, com sua beleza silenciosa e suas sombras alongadas pelo fim do dia, parecia ser o espelho do que eu sentia internamente. Era como se a tarde, ao se despedir, me convidasse a olhar para dentro, a descobrir a presença invisível do “eu”.

Esse momento de dor e autoconsciência deixou em mim uma marca, como se o pôr do sol tivesse se infiltrado nas minhas memórias e se misturado àquela primeira percepção de mim mesmo. Hoje, ao lembrar, percebo que esses momentos de dor e de beleza se entrelaçam na jornada da consciência, e que às vezes é o desconforto, o pequeno incômodo, que nos leva a olhar para dentro e a nos reconhecer, ainda que seja numa tarde qualquer, no fundo do quintal, onde a vida começa a sussurrar seus primeiros segredos.

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