A Travessia da Caverna

A Travessia da Caverna

Havia um homem.
Não era diferente dos outros, senão pela marca invisível que carregava no peito: uma ferida sem nome, sem sangue, sem cura aparente.

Um dia, ao se estender para tocar a mão de outro, esta lhe foi recusada.
Não houve palavras, não houve explicações, apenas o frio súbito do não acolhimento, o eco de portas que se fecham sem ranger.

Foi então que, sem perceber, ele encontrou a entrada da caverna.
Não havia mapa, nem trilha, nem placa avisando: “Aqui habita o rejeitado”.
Havia apenas um portal aberto diante de seus olhos, e uma dor tão funda que não encontrou coragem para dizer não.

Ele entrou.

Dentro da caverna, o tempo perdeu o ritmo, e o mundo, a cor.
As paredes eram feitas de pensamentos silenciosos; o teto, de medos antigos; o chão, de lágrimas endurecidas.
Ali, cada batida do coração soava como o eco de um grito que ninguém ouvia.

Ele construiu sistemas para sobreviver:
Mecanismos de defesa, castelos de desconfiança, florestas de amargura.
Aprendeu a falar pouco, a sorrir menos, a olhar sempre de lado.
E a caverna, de proteção, tornou-se prisão.
E a prisão, de prisão, tornou-se lar.

Lá dentro, o homem não viu os anos passarem.
A vida parecia acontecer em algum outro lugar, para outros seres, menos frágeis, menos expostos.

Mas, porque a graça é silenciosa e persistente — um dia, o homem percebeu uma fenda na parede da caverna.
Uma luz tênue, um suspiro de mundo exterior, um aroma que não se parecia com o mofo do medo.

Era tão fraca a luz, tão sutil, que quase passou despercebida.
Mas ele viu.

E então, algo adormecido dentro dele, uma palavra, talvez uma lágrima, talvez apenas um sopro despertou.

O homem, vacilante, caminhou até a fenda.
Não era um caminho seguro. Não havia garantias. Não havia promessas de que do lado de fora ele não seria ferido novamente.

Mas havia algo mais forte que o medo: a memória de que um dia ele foi feito para caminhar sob o céu aberto.

Com as mãos trêmulas, ele tocou a parede da caverna.
E para seu espanto, a parede não era sólida: era feita de tudo o que lhe haviam dito e que ele acreditara ser verdade.

Era feita de palavras como “você não é suficiente”, “você não é desejado”, “você não pertence”.

Palavras. Apenas palavras.

Ele sorriu, talvez pela primeira vez em muito tempo.
E, com a coragem pequena de quem carrega grandes cicatrizes, ele atravessou a fenda.

Lá fora, o mundo não era perfeito.
Os lobos ainda rondavam, as rejeições ainda doíam, os homens ainda falavam a mesma língua.

Mas ele já não era o mesmo.

Porque agora, ele sabia: a rejeição não era o fim.
Era apenas um caminho, um caminho estreito, doloroso, necessário para encontrar o que nunca poderia ser dado por outros:
a aceitação de si mesmo, a dignidade de existir, o direito silencioso de ser.

E ele caminhou.
Lento, firme, sereno.
Com a luz nos ombros e a alma, enfim, liberta.

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