Ficar ao Lado, Sem Possuir

Ainda bem que o tempo passa. Já imaginou o desespero se tivéssemos de suportar uma segunda-feira eterna? Há um alívio imenso no movimento dos dias, um certo consolo na passagem do tempo. A beleza de cada instante só se revela porque ele não permanece, porque sua natureza é fugaz. Aprisionar a beleza é desintegrar sua essência; tentar segurá-la é sufocar o seu próprio encanto.

Conta-se que havia uma menina que se encantava todas as manhãs com a visita de um pássaro mágico. Ele pousava em sua janela e a presenteava com um canto breve, não durava mais do que cinco minutos, mas esses cinco minutos eram intensos, suficientes para aquecer o dia inteiro. No entanto, certo dia, o desejo de prolongar aquela beleza tomou conta dela. Resolveu capturá-lo, colocou-o em uma gaiola para que pudesse ouvir seu canto sempre que quisesse.

Mas a gaiola o entristeceu, e, tomado pela tristeza, o pássaro silenciou. A menina, então, percebeu que o canto só existia porque o pássaro era livre. Seu encanto residia precisamente no fato de não pertencer a ninguém. A cada manhã, ele trazia à sua janela um sopro de leveza, algo que a alimentava e lhe dava forças para enfrentar a vida. O encanto aliviava sua existência. Aprisionado, o pássaro estava ali, ao alcance de suas mãos, mas o que ele tinha de mais valioso — o canto — havia se perdido.

Penso que nem sempre sabemos apenas recolher o encanto; frequentemente queremos capturar o encantador, e assim o matamos, sufocando aquilo que mais nos cativa. Amar, talvez, seja exatamente isso: ficar ao lado sem possuir, admirar sem exigir, tocar sem prender. Amar é aprender a se nutrir da presença que não é nossa, que nos escapa e que, ao escapar, nos enche de vida. Viver também.

É preciso descobrir o encanto do instante, acolher o que ele traz sem buscar retê-lo. Viver é um exercício de desprendimento, uma aventura em que se permite que o tempo leve o que é dele, deixando apenas o essencial, aquilo que precisamos para avançar nas novas descobertas. Há uma beleza singular nas passagens, uma vida antiga que se desdobra em novidade. Coisas velhas que se renovam. Para isso, basta deixar o tempo seguir, retirar as pedras que impedem a fluidez. Nem as tristezas merecem ser eternas, nem as felicidades devem ser fixas. Ambas precisam passar, porque sua essência é o movimento, a dança da vida.

E talvez seja por isso que a palavra “dividir” nos seja tão necessária: dividir a alegria e a tristeza para torná-las suportáveis, para nos lembrarmos de que nenhuma emoção é absoluta, que tudo precisa ser compartilhado para que possa ser vivido.

Então, não se prenda ao acontecimento que parece definitivo, ao momento que parece permanente. O tempo passa, e com ele a vida renasce. Redenções são silenciosamente tecidas no intervalo de cada segundo, em cada mínima transição.

Abra os olhos. Há encantos espalhados por toda parte, pequenos sinais de beleza em cada detalhe. Preste atenção: eles são discretos, mas constantes. Olhe para a janela da sua vida, perceba o pássaro encantado que pousa em sua história, escute seu canto suave, mas resista à tentação de possuí-lo. Ele só é encantado porque não é seu.

Essa é a essência deste instante: o tempo está passando, e com ele o encanto permanece na medida exata, o suficiente para esperar até amanhã, quando, quem sabe, o pássaro encantado retornará e, de surpresa, pousará novamente na sua janela.

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