Meu sonho inicial era ser médico. Não, não era pelo status ou pelo dinheiro, nem mesmo por qualquer razão fútil que o mundo costuma impor como justificativa. Meu sonho era médico porque, em algum momento da infância, descobri o poder curativo do cuidado, o peso das mãos que tratam feridas, aliviam dores e trazem esperança a quem sofre. Esse sonho nasceu em um hospital, entre paredes brancas, camas de ferro e lençóis dobrados de maneira impecável.
Quando criança, passei um tempo significativo internado. Não era apenas um hospital; era um espaço entre o medo e o alívio, onde as horas ganhavam um peso diferente. Ao lado do Hospital Infantil de Vitória, havia um lugar cujo nome iluminou meu espírito: o Hospital Jesus Menino. O nome parecia uma promessa, um refúgio divino. Jesus Menino… Como poderia um lugar chamado assim não ser bom? Na minha imaginação infantil, Jesus, o menino, era como eu – pequeno, frágil, mas capaz de acolher, capaz de me entender.
A primeira vez que minha mãe me contou que ficaria internado, o semblante dela carregava tristeza e preocupação, uma sombra que só os adultos conhecem. Nos olhos dela, a aflição de não poder fazer mais por mim, de não poder trocar de lugar comigo. Quando chegamos ao hospital, porém, algo em mim brilhou. O nome na fachada, “Jesus Menino”, deu-me uma alegria inesperada. Parecia que, naquele lugar, eu não estaria sozinho.
Ganhei uma cama, minha mãe, não. Era um quarto coletivo, uma enfermaria. Muitas camas, crianças e o cheiro característico dos hospitais, misturando álcool, remédios e o som abafado de passos apressados. Fui vestido com o uniforme do hospital: um conjunto simples, azul-claro, com uma camisa e uma bermuda que levavam o símbolo de um hospital que, naquele momento, parecia meu.
A cena ficou gravada em minha alma: ajoelhei-me sobre a cama, a janela ao fundo revelando a entrada principal, iluminada por um sol que indicava, talvez, as quatro horas da tarde. Abri os braços com toda a força de quem se entrega à vida, estiquei-os como se pudesse abraçar o mundo e gritei, com um sorriso que contrastava com a gravidade do momento:
– Jesus Menino!
Era um grito de entrega, de fé infantil e descomplicada. Naquele momento, não havia medo, não havia hospital. Só havia a criança e a promessa do nome que trazia esperança ao coração.
A primeira vez que estive ali foi por um motivo sério: uma cirurgia. Quando me levaram para a sala de operação, o ar mudou. Minha mãe, que sempre me olhava com força, tinha nos olhos algo mais profundo – um silêncio pesado, que só as mães conhecem quando veem seus filhos entregues ao desconhecido. A enfermeira, com passos cuidadosos, me conduzia; o rosto dela, tão técnico, tão humano, trazia uma tensão sutil.
Na porta da sala de cirurgia, o médico apareceu. Ele me disse alguma coisa, uma fala breve, um murmúrio que o tempo apagou. Lembro-me de ter perdido o uniforme azul-claro; no lugar, vestia um avental branco que, na minha ingenuidade, parecia um vestido. Estava ali, pequeno, vulnerável, sem roupas íntimas, apenas com aquele tecido que mal cobria meu corpo, como se a vida inteira estivesse exposta.
Lembro de alguém colocando uma máscara sobre meu rosto. O ar ficou pesado, e a visão, turva. Apaguei. Quando acordei, não estava mais naquele espaço frio e sinistro da cirurgia. Estava na enfermaria, na mesma cama que havia acolhido meu grito de alegria. Era como se o tempo tivesse sido editado, como em um filme. Para mim, não havia intervalo, mas haviam se passado horas. Quatro horas de silêncio, onde o meu corpo dormia e outras mãos trabalhavam para curar.
Recuperei-me bem, o tempo foi generoso comigo. Contudo, voltei ao Jesus Menino algum tempo depois. Estava lá novamente, no mesmo hospital que me acolheu com um nome sagrado e uma força invisível. Esse lugar, de algum modo, tornou-se parte de mim. Cada canto, cada uniforme, cada olhar carregado de preocupação ou cuidado passou a ter um peso novo. Minha imaginação de menino me dizia que o nome do hospital era uma promessa, e Jesus Menino caminhava pelos corredores, cuidando de cada criança ali.
Foi ali, naquele espaço entre fé e ciência, que nasceu meu sonho de ser médico. Não porque queria dinheiro ou status, mas porque quis, em algum momento, ser como aquele lugar que me acolheu. Quis ser alguém que acalma, que cuida, que traz esperança.