Há dias em que a própria presença parece deslocada, como se cada detalhe da vida se revelasse um cenário hostil, onde tudo em volta brilha, menos a própria existência. Ando por aí, cercado por pessoas que parecem pertencer a este lugar, mas algo me afasta, uma linha invisível e dolorosa. Eles brilham como estrelas distantes, e aqui estou eu, preso em um casulo de inadequação, observando o mundo pelo lado de fora.
O espelho às vezes reflete um estranho, alguém que eu não entendo completamente. É como se cada tentativa de se encaixar, de pertencer, fosse um esforço condenado, um grito que ninguém ouve. Olho em volta e percebo que meus gestos não se harmonizam com os deles, que meus pensamentos se desencontram das suas ideias, e por dentro há uma voz sussurrando que eu simplesmente não sou feito para este lugar.
E então, o que resta é uma solidão profunda, uma sensação de ser um peso no ambiente, uma peça desgastada num quebra-cabeça que não foi desenhado para mim. É como se todas as tentativas fossem engolidas por um abismo interno, onde a fragilidade é exposta, e o vazio ecoa em cada canto.
Mas a vida continua, indiferente. Enquanto me percebo um pouco mais estranho a cada dia, enquanto cada passo parece mais lento, algo ainda pulsa. No fundo, essa falta de encaixe revela que existe uma centelha de diferença, um traço único que, apesar de tudo, brilha à sua maneira. Ainda que eu seja uma presença deslocada, há uma beleza na fragilidade, uma força que talvez resida justamente nesse desencaixe.
O espelho, então, deixa de ser inimigo. Aquele que me observa de volta pode não pertencer, mas tem algo que ninguém mais possui: uma autenticidade silenciosa, a coragem de existir, mesmo sendo o estranho em seu próprio mundo.