Espiritualidade e Reflexão

A Busca por um Lugar no Mundo

Existe em mim o desejo de ser, o desejo de me tornar, como uma força oculta que vibra na base da existência, impulsionando cada movimento, cada passo. Sinto, de forma quase visceral, uma intuição profunda de que não estou completo, de que há algo em mim que anseia por preencher um espaço ainda vazio. Esta consciência de falta, essa sensação de que algo essencial ainda me escapa, é o que me faz buscar, o que me faz interrogar o mundo com uma pergunta que se abre para o infinito: qual é o meu lugar? Não se trata de uma simples ocupação, de um rótulo que possa ser definido por um título ou profissão. Trata-se de um chamado mais profundo, uma busca por identidade, um anseio de conexão com aquilo que verdadeiramente me define.

Vivemos em uma sociedade que muitas vezes não oferece respostas para essa busca, que limita o sentido da existência a funções e papéis restritos, como se a complexidade da alma humana pudesse ser contida em definições estreitas e transitórias. Eu não encontro, no modo como a sociedade está organizada, a medida exata daquilo que me inquieta, que me impulsiona. É como se o meu desejo de ser algo único e verdadeiro se chocasse contra as fronteiras impostas pela expectativa comum, e essa oposição cria em mim uma resistência. Remo contra uma maré que me empurra para trás, e cada remada exige não apenas vigor físico, mas uma resistência espiritual que desafia as limitações visíveis. É uma luta para manter a integridade do que sou diante das forças que tentam me moldar em outra forma, uma batalha silenciosa para não perder o que me torna autêntico.

A primeira chamada que recordo com clareza veio ainda na infância, quando, entre brincadeiras e devaneios, eu me via como um ministro, um pastor, alguém capaz de celebrar a comunhão com a mesma reverência com que uma criança celebra o mistério da vida. Eu sonhava em pregar, em ser um canal para algo maior, em tocar as almas e as vidas que me rodeavam. E, ao mesmo tempo, havia em mim uma imagem vaga e poderosa de um executivo, um homem que, embora não compreendesse ainda o sentido exato desse termo, representava a liderança, o discernimento, o alcance de algo mais alto. Essas aspirações infantis me conectavam a um sentimento de missão, como se, mesmo naquela tenra idade, eu já tivesse vislumbres do que significaria ocupar um lugar que me pertence, um espaço no mundo que fosse a expressão plena do meu ser.

Com o passar do tempo, o amadurecimento trouxe novas camadas de desejo e compreensão, e o meu sonho abraçou a ideia de cuidar, de curar — primeiro na enfermagem, depois na medicina. Essa era uma chamada diferente, um chamado para ser o guardião da vida e do bem-estar alheio, para ser a mão que acolhe, o coração que entende a fragilidade humana. Mas essa vocação, que era para mim um ideal sagrado, encontrou barreiras externas, o julgamento silencioso daqueles que riram de mim quando declarei que queria ser médico. Encontrei-me rebaixado pela incredulidade dos outros, e de alguma forma essas vozes ecoaram dentro de mim, minando minha própria confiança, desviando meu olhar daquilo que, em essência, me fazia vibrar.

Fui conduzido, então, para outros campos: prestei vestibular para psicologia, depois ciências sociais, direito, história. E, finalmente, a administração, onde passei e onde construí uma trajetória que ainda hoje me faz questionar como seria minha vida se eu tivesse persistido naquela primeira chama, se eu tivesse seguido o impulso inicial de ser aquilo que meu coração reconhecia como autêntico e verdadeiro. A pergunta, “e se?”, ecoa ainda, reverberando no espaço entre o que sou e o que poderia ter sido, criando um vazio que anseia por sentido e direção.

O que fazer agora, diante de tudo isso? Há uma luta dentro de mim, uma resistência que cresce e que me desafia a reconciliar esses fragmentos, a encontrar um caminho que una essas chamadas iniciais, esses sonhos desfeitos, esses desejos de criança com a realidade do presente. Talvez o lugar que busco esteja além das barreiras, além dos títulos e dos papéis que costumam definir o sucesso aos olhos dos outros. Talvez a resposta esteja em retornar ao começo, a escutar aquela voz antiga, a redescobrir o que, desde o início, me chamou com a promessa de uma vida significativa.

O desejo de me tornar, de ocupar o meu lugar no mundo, não é algo que o tempo ou as circunstâncias possam apagar. É um chamado que resiste, que persiste, que pulsa em meu ser como um compasso secreto. E enquanto busco, enquanto remo contra a maré, compreendo que o verdadeiro desafio não é simplesmente encontrar um espaço, mas ser capaz de ocupar esse espaço com a totalidade de quem eu sou. Talvez seja esse o segredo do amadurecimento — um retorno a si mesmo, uma reafirmação do que se é, uma reconciliação com o que sempre se sonhou.

A jornada continua. E mesmo que a direção nem sempre seja clara, sei que o movimento é em direção àquilo que realmente importa: um encontro autêntico comigo mesmo, uma realização que abarca o passado, o presente e o desejo intocado de ser o que, desde o princípio, fui destinado a ser.

Sou Tiago Rizzolli, pregador nascido na periferia, onde aprendi que escutar é mais sagrado do que falar. Escuto a Deus, as pessoas e os mistérios da vida. Já atuei em conselhos, federações e secretarias, mas o que me move é a busca por sentido, beleza e justiça. Transito entre a fé e a filosofia, entre o que urge no mundo e o silêncio que habita em mim. Ensino, prego e escrevo como quem procura ser inteiro, não importante. Acredito na partilha, na presença e na palavra que brota do corpo. Vivo com os pés no chão e os olhos voltados para o invisível. Sou pó em travessia.

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