O Encanto de Ser como Criança: Viver com a Intensidade da Primeira e Última Vez

Jesus, em uma de suas declarações mais profundas, nos lembra que “aquele que não for igual a uma criança não entrará no reino dos céus.” Essa afirmação vai além da simplicidade aparente, pois ela toca em um estado de ser que o adulto, tão absorvido pelas preocupações do cotidiano, parece ter perdido. A criança, em sua pureza, traz em si uma capacidade única de se encantar com o mundo, de ver a cada instante uma possibilidade de descoberta e alegria. Ser como uma criança é resgatar o espanto diante do comum, o brilho nos olhos diante do que, para o adulto, tornou-se banal.

Um colega compartilhou uma cena que testemunhou no caminho para o trabalho: ele estava no ônibus e observou uma criança que, ao ver uma árvore pela janela, gritou com uma alegria contagiante: “Olha lá, mamãe, uma árvore!” Ao passar por um estacionamento, ela exclamou com admiração: “Nossa, olha um monte de carros!” Quando o ônibus atravessou uma ponte, revelando o mar, a criança ergueu os braços e gritou “Viva!” Era como se cada detalhe do mundo fosse uma revelação, uma explosão de novidade, e a criança, com sua pureza, nos mostrasse um modo de ver a vida que perdemos ao crescer.

A imaginação é a essência da criança, um traço que colore cada momento com tons de surpresa e alegria. No entanto, ao longo dos anos, somos ensinados a deixar de lado essa imaginação, a ser “práticos” e “realistas”. As responsabilidades e os desafios da vida adulta nos tornam sérios, e o peso das preocupações obscurece a simplicidade de ver o mundo como um lugar de mistério e beleza. Mas será que é mesmo inevitável perder essa capacidade de se encantar com o cotidiano? Será que, ao nos tornarmos adultos, estamos fadados a esquecer como olhar o mundo com olhos de criança?

Talvez a alegria da criança venha do fato de que, para ela, tudo é novo. São suas primeiras experiências com o mundo exterior, e cada árvore, cada carro, cada relance do mar é uma primeira vez. Para ela, cada detalhe traz consigo uma emoção inédita, uma descoberta que merece ser celebrada. E é nesse ponto que podemos aprender: se encarássemos cada instante como uma primeira vez, talvez encontraríamos motivos de sobra para nos alegrar, para nos surpreender, para redescobrir o mundo ao nosso redor. Se olhássemos para as coisas como se fosse a última vez, a intensidade do instante seria ainda maior, carregada de uma gratidão e uma reverência profundas.

Esse estado de ser — de viver como se fosse a primeira e última vez — é uma virtude. É a virtude de viver com intensidade, de aproveitar cada instante com a consciência de que o presente é fugaz e precioso. Essa virtude nos convida a sair do automatismo, a despertar para a riqueza dos detalhes que nos cercam e que, na pressa e na rotina, ignoramos. É um convite para sentir a brisa como uma carícia nova, para ver a luz do sol como um presente, para ouvir o riso como uma melodia que toca a alma.

Se o sentimento da primeira e última vez tomasse conta de nós, cada gesto e cada experiência teriam um valor inestimável. Não nos deixaríamos arrastar pelo tédio ou pelo desencanto, mas, como a criança, levantaríamos os braços diante do espetáculo do mundo e gritaríamos, com toda a nossa força, “Viva!” Seríamos sensíveis ao simples e ao profundo, e o cotidiano, que muitas vezes parece tão trivial, revelaria seus mistérios, nos convidando a ver o divino nas pequenas coisas.

Portanto, ser como uma criança é, em essência, uma forma de estar plenamente presente. É abraçar o instante, ver com os olhos do coração e sentir com a alma aberta. Pois, quando olhamos para o mundo como se fosse a primeira e a última vez, somos capazes de tocar o eterno, de vislumbrar o sagrado em cada folha, em cada sorriso, em cada pôr do sol. E nesse olhar, o reino dos céus não está distante, mas aqui, ao alcance daqueles que ousam viver com a mesma simplicidade e alegria que uma criança.

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