Aparência e Ser: Reflexões sobre a Inautenticidade e o Desencanto do Mundo Moderno

Em sua filosofia, Kant nos ensina que a “coisa em si” permanece sempre oculta, inacessível à nossa compreensão. O que conhecemos não é o ser essencial das coisas, mas sim suas aparências, as representações que nossa mente constrói. Essa limitação epistemológica de Kant ecoa de forma curiosa no ditado popular: “O que importa não é ser, é parecer ser.” Vivemos num mundo onde as aparências são exaltadas, onde o que é visível, acessível e interpretável pelos sentidos assume um valor quase divino. É um estado onde o ontológico, aquilo que realmente existe, parece virtual e intocável, relegado ao fundo da cena enquanto o que se mostra é apenas a máscara.

Mas onde ficaria, então, a filosofia de Parmênides, que sustenta a ideia de que o ser é imutável e permanente? Parmênides nos oferece uma visão que desafia esse culto à aparência, uma afirmação da realidade como algo absoluto e fixo, onde o verdadeiro ser não sofre variação. No entanto, essa visão, no contexto de nosso mundo atual, encontra um contraste profundo, pois vivemos numa era em que a ontologia se esconde sob camadas de ilusões e onde o ser se dissolve diante do espetáculo da aparência. Enquanto o pensamento de Parmênides repousa sobre a certeza de um ser inabalável, nós, hoje, nos colocamos diante de um mundo onde parecer ser assume ares de um “deus-ídolo”, e onde o culto à aparência se transforma em uma adoração idólatra.

Heráclito, por sua vez, apresenta-nos um universo em constante devir. Ele nos lembra que o ser humano está sempre em transformação, que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, pois tanto o rio quanto aquele que entra nele mudam constantemente. A filosofia heraclítica nos mostra que somos em fluxo, deixando de ser na medida em que nos tornamos. Nesse contexto, somos seres que emergem e se dissolvem, transitando entre um passado que já se desfez e um futuro ainda por vir. Heráclito nos faz olhar para o tempo e a mudança, revelando que, embora sejamos, também deixamos de ser continuamente.

A obsessão moderna por parecer ser, a busca frenética por uma imagem idealizada, nos coloca em confronto com nossa própria impotência diante das potências da vida. Na tentativa de alcançar uma aparência impecável, o homem moderno se confronta com a fragilidade de seu próprio ser. Ele é frágil, quebradiço, marcado pela inevitabilidade do tempo e pelo peso da gravidade. A cirurgia plástica, por exemplo, é um esforço hercúleo para resistir à deterioração, mas ela apenas adia o inevitável, pois a juventude, que muitos desejam cristalizar, é passageira, não uma ontologia permanente. Cada intervenção estética busca capturar uma imagem, uma ilusão de permanência que, paradoxalmente, nunca é alcançada.

Neste culto à aparência, percebemos que a obsessão por parecer ser invoca a ontologia apenas para desprezá-la. A busca de uma juventude eterna, de uma perfeição inabalável, não faz parte do ser autêntico, mas de uma pseudoontologia, uma ontologia ilusória que não se compromete com o que somos de fato. A aparência torna-se um ídolo que consome o que somos, um fascínio que nos torna prisioneiros de imagens que, no fundo, não têm vida. É uma idolatria que nos convida a escapar da realidade e abraçar uma fachada que, longe de preencher o vazio, o aprofunda.

Esse apego à aparência traz consigo um desgaste emocional e físico imenso, levando muitos a um desejo de fuga. A pressão para corresponder às expectativas estéticas, para agradar os olhos dos outros, para manter uma imagem aceitável, gera um cansaço que mina a autenticidade e empurra o ser humano para uma existência inautêntica. A falsidade se infiltra na alma, e, ao invés de buscar ser, o indivíduo se perde em parecer ser. Surge, então, uma angústia persistente, um sofrimento silencioso que brota da necessidade de encarnar algo que não é real, uma projeção que, ao invés de satisfazer, gera desconforto.

Esse encontro inevitável com a realidade, com a gravidade e com o desencanto do mundo materialista, é também um momento de ruptura, onde a aparência perde sua força e a ilusão se desmancha. O homem, ao perceber que não pode vencer o tempo, que a juventude não é eterna e que o ser autêntico não é alcançado por meios externos, é convidado a um retorno introspectivo. A introspecção torna-se o caminho para buscar o ser em si, para resgatar a verdade escondida nas profundezas da própria alma. Ela é a chance de desfazer-se das máscaras, de abandonar a idolatria da aparência e de reconectar-se com a essência do ser.

A introspecção, então, surge como o remédio para o sofrimento causado pela obsessão pela imagem. Ela é o convite a um retorno ao ser, a um encontro verdadeiro com quem somos, além das aparências. Nesse movimento de olhar para dentro, encontramos uma ontologia que não depende de artifícios, que não se curva ao olhar do outro, mas que floresce em sua própria verdade. E assim, ao nos libertarmos do desejo de parecer, redescobrimos a liberdade de simplesmente ser.

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