O Aviso no Barracão de Tábua

O Aviso no Barracão de Tábua

O Pastor Sebastião, marido da irmã Nelza, presidia uma igreja independente chamada Assembleia de Deus Ministério Ide, no bairro Primeiro de Maio. Era uma congregação humilde, mas que carregava em si uma força espiritual singular. Conhecíamos o pastor Sebastião desde antes, quando meu pai pastoreava uma igreja na mesma rua, que mais tarde se fundiria ao Ministério de Jardim Colorado. Contudo, minhas lembranças mais marcantes com o Ministério Ide remontam aos idos de 1997, quando seu templo ainda era um simples barracão de tábuas, erguido no meio do canal que dividia os bairros de Primeiro de Maio e Pedra dos Búzios.

Minha primeira visita ao barracão foi marcada pela simplicidade. O culto era modesto, previsível, quase sem movimento. Poucas pessoas estavam ali, e o ambiente não exalava a grandiosidade que muitas vezes associamos ao sagrado. Mas Deus, em Sua grandeza, não se limita às estruturas ou ao número de fiéis. Ele opera onde quer, do modo que quer, e foi nesse barracão de tábuas que recebi uma mensagem que ecoaria profundamente em minha vida.

Após a mensagem final daquele culto, o pastor que a ministrou me chamou e compartilhou uma revelação divina. Ele me alertou: “Tome cuidado com alguém com quem você está andando.” Naquele momento, murmurei interiormente. Fiz uma rápida reflexão e não conseguia identificar a quem ele se referia. Eu não andava com muitas pessoas, apenas com um amigo próximo, alguém que me acompanhava regularmente nas idas e vindas da escola. Naquela época, eu estudava no Adolfina Zamprogno, e meu amigo era o filho de um pastor que tinha uma igreja na mesma rua do Ministério Ide.

O aviso parecia desconectado da realidade que eu conhecia, e por isso, confesso, não o levei tão a sério quanto deveria. Mas não muito tempo depois, a simplicidade daquele culto se tornou o pano de fundo de uma revelação avassaladora. Recebi a notícia de que meu amigo, aquele que caminhava comigo diariamente, havia sido assassinado a tiros. A tristeza da perda foi intensificada pelo espanto: ele estava envolvido com drogas. Aquilo me atingiu como uma onda inesperada, trazendo à tona a lembrança das palavras do pastor desconhecido. A revelação se mostrou verdadeira, e eu fui tomado por uma mistura de sentimentos que até hoje reverbera em minha alma.

Chorei. Chorei pela perda de um amigo, por não ter percebido os sinais, por talvez não ter sido o confidente que ele precisava. Um sentimento de vazio se instalou em mim, um vácuo deixado pela sua ausência e pela descoberta de que havia uma parte de sua vida que ele nunca compartilhara comigo. Ao mesmo tempo, senti o cuidado especial de Deus. Ele havia me avisado, me dado um alerta através daquele culto simplório, e talvez, de forma sutil e silenciosa, já estivesse me protegendo. A distância que meu amigo mantinha dessas questões ao nosso redor pode ter sido uma obra divina, um cuidado imperceptível que me afastava do problema antes mesmo que eu soubesse que ele existia.

Naquele dia, entendi algo profundo sobre os caminhos que Deus traça para nos proteger. Às vezes, Ele nos livra de perigos que sequer imaginamos, nos separa de pessoas ou situações para nos preservar. E mesmo que isso cause estranheza, ou até revolta em alguns momentos, mais tarde compreendemos que há um cuidado maior, um plano que transcende nosso entendimento.

A simplicidade daquele barracão, o culto previsível, o pastor que mal conhecia, tornaram-se símbolos de algo muito maior: o cuidado constante de Deus em minha vida. A tristeza pela perda do meu amigo se mistura à gratidão por ter sido guardado, por ter sido alertado. E, até hoje, a memória daquele barracão de tábuas permanece viva em mim, não como um lugar de escassez, mas como um altar de revelação, onde a voz de Deus encontrou um jovem para ensinar-lhe o valor da obediência, da atenção e da gratidão por cada livramento, mesmo os que só entendemos depois que passam.

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