No quintal de casa, no bairro Grande Vitória, o palco era simples, mas cheio de possibilidades. Bastava uma formiga morta e uma caixa de fósforo vazia para que minha imaginação transformasse o ordinário em algo quase cerimonial. A brincadeira daquela tarde ensaiava um aspecto profundo da realidade: a despedida.
A formiga, encontrada já sem vida, tornou-se o centro de um ritual. Peguei a caixa de fósforo e a transformei em um pequeno caixão. Cuidadosamente, coloquei a formiga dentro, fechando a tampa com um senso inesperado de reverência. Em seguida, comecei a escavar a areia do quintal, criando um buraco que serviria de sepultura. Era pequeno, proporcional ao tamanho do ser que ali seria depositado, mas não menos digno.
Com a caixa depositada no buraco, preenchi-o novamente com areia, formando um pequeno montículo que marcava o lugar do descanso eterno da formiga. Para finalizar, peguei dois palitos de fósforo, que se cruzaram em forma de uma cruz, e os finquei no topo da sepultura improvisada. Era um memorial simples, mas carregado de significado para minha mente infantil.
Enquanto realizava aquele pequeno funeral, senti que a brincadeira ensaiava algo maior. O ato de enterrar a formiga não era apenas uma atividade passageira; era uma forma de lidar, de maneira lúdica, com a realidade da perda. A cruz, a sepultura e o silêncio ao redor simbolizavam respeito, algo que talvez eu não compreendesse completamente, mas intuía.
A formiga, tão pequena, teve em minha brincadeira uma honra desproporcional ao seu tamanho. Talvez fosse a maneira que minha infância encontrava para processar os mistérios da vida e da morte, para experimentar em escala reduzida o que, mais tarde, seria vivenciado em dimensões maiores.