As tardes na rua eram repletas de risadas, correria e improvisos. Em frente à nossa casa, um espaço entre a minha e a dos meus tios Zeco e Maria, montávamos nossa “arena”. Ali, travinhas improvisadas e uma turma que hoje em dia ficou guardada mais na memória afetiva do que nos nomes. Mas alguns não se apagam: Rafael, meu primo; Josué; Gessé; Whashiton; e Lila.
Lila era um garoto branco, magro, que frequentemente jogava sem camisa. Era habilidoso, mas, por vezes, passava dos limites. Em um dia que parecia comum, uma jogada brusca mudou o tom da brincadeira. Lila deu uma entrada dura no Rafael e, como se não bastasse, começou a zombar dele. Rafael, retraído, parecia intimidado. Aquilo me indignou profundamente. Não suportei a visão do meu primo sendo alvo de deboche.
Fui tirar satisfação, mas Lila não cedeu. O deboche continuou, e algo dentro de mim transbordou. Sem pensar muito, levantei as mãos, abri os dedos o máximo que pude e, em um impulso, passei as unhas pelas costas de Lila, de cima a baixo. Foi um momento de fúria, mas o resultado me assustou imediatamente. Onde minhas unhas tocaram, ficaram marcas vermelhas profundas, como trilhas gravadas em sua pele. Olhei para minhas mãos e vi pedaços da pele de Lila sob minhas unhas. O jogo parou. O riso cessou. O silêncio tomou conta.
Lila não chorou, mas foi para casa, anunciando que contaria tudo à mãe. O futebol acabou ali. Voltei para casa, com um misto de medo e arrependimento. Meu coração batia acelerado, e cada som parecia anunciar o desfecho daquilo que, para mim, era um desastre.
Pouco tempo depois, a mãe de Lila apareceu no portal da nossa casa. Estava enfurecida, pedindo para que meu pai me colocasse para fora. Ela queria me dar uma surra. Meu pai, com sua presença firme, respondeu que no filho dele ninguém batia, mas garantiu que eu seria corrigido. Ele cumpriu a promessa.
Aquela tarde trouxe marcas mais profundas do que as deixadas nas costas de Lila. A indignação que me levou a agir de forma tão agressiva se transformou em uma lição sobre controle, respeito e responsabilidade. As brincadeiras não voltaram a ser as mesmas, mas os aprendizados ficaram.