Era o ano 2000, e eu caminhava pelas ruas que marcavam os limites entre Pedra dos Búzios e Primeiro de Maio. Atravessar aquela ponte a pé, sentir o calor do meio-dia e ser abraçado pelo silêncio das ruas parecia mais um ato corriqueiro, um percurso que a rotina tornava automático. Curvei à direita, passei pela Igreja Batista que repousava à esquerda e segui adiante, imerso na banalidade dos passos. Não havia pressa, não havia grandes expectativas, apenas o caminho e o calor, que parecia querer se impregnar no ar e na pele.
À frente, um caminhão FENEME descansava, dividindo a rua entre o fim e o começo de algo. E foi ali, entre o peso do caminhão e o horizonte de minha caminhada, que o inesperado rompeu a linearidade do dia. Uma senhora, cuja figura carregava a simplicidade dos encontros que marcam, dirigiu-se a mim com um cumprimento que era mais do que uma saudação: “A paz do Senhor.” Respondi de imediato, com a mesma reverência que sua voz me inspirava. Mas suas próximas palavras me tiraram do fluxo comum do momento: “Você é o irmão Tiago?”
O reconhecimento em sua voz me pegou desprevenido. Ao confirmar minha identidade, sua resposta veio como uma janela que se abre para um passado esquecido: “Aquela pregação sobre oração que você ministrou ficou gravada em minha mente até hoje, nunca a esqueci.” Ela mencionou ainda a igreja Assembleia de Deus onde aquela pregação havia acontecido, mas mesmo esse detalhe o tempo apagou de minha lembrança. Havia uma força nos seus olhos, um calor nas palavras que ultrapassava a memória e tocava o coração. A pregação à qual ela se referia, ministrada há três ou quatro anos, não apenas não estava mais em minha lembrança, como parecia haver se desfeito no tempo, apagada pelos dias que se empilham. Mas para ela, não. Ela a carregava, não como uma lembrança trivial, mas como algo que habitava suas profundezas.
Ali, debaixo de um sol abrasador, percebi algo que jamais havia contemplado com tamanha clareza: as palavras, quando ditas com a alma, não pertencem mais ao momento em que foram proferidas; elas transcendem, criam raízes em terras que não controlamos. Para aquela senhora, minha pregação não fora apenas uma mensagem; havia se tornado uma fagulha viva, algo que moldava sua visão sobre a oração e, talvez, sua própria espiritualidade. Não era sua mente que havia guardado aquelas palavras, mas o coração — como o salmista que diz: “Guardei a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti.”
Por um instante, fui inundado pela grandeza de algo que eu mesmo havia esquecido. Aquelas palavras, lançadas anos antes, voltavam a mim com uma força que já não era minha, mas dela. Porque o poder das mensagens eternas reside em quem as acolhe, quem as torna parte de si. A pregação que eu mesmo deixara escapar do meu próprio registro havia encontrado em seu coração um lugar seguro, onde nenhuma erosão do tempo poderia apagá-la.
Respondi com a simplicidade que o momento pedia: “Glória a Deus.” Não havia mais nada a dizer, pois o silêncio que seguiu era, em si, uma confirmação do mistério que acabara de testemunhar. Segui meu caminho, mas aquela cena não se dissipou. A imagem daquela senhora, cujo nome sequer perguntei, tornou-se um símbolo para mim. Ela sabia quem eu era, mas, mais do que isso, sabia o que aquela mensagem significava. Talvez, em algum ponto do caminho, minha pregação tenha alterado sua visão sobre a oração; talvez tenha sido a chave que abriu portas em sua relação com Deus. Ou talvez fosse apenas um lembrete divino de que as palavras que lançamos nunca são em vão.
A memória daquele dia não é um fardo, mas um presente que carrego comigo. Ele me ensinou que as palavras, quando dadas ao outro, não são nossas para guardar; pertencem a quem as acolhe, as vivencia e as eterniza. E o sol daquele meio-dia, que parecia esmagador, agora brilha em minha lembrança como a luz de um encontro sagrado, em que a simplicidade de uma saudação e a força de uma mensagem mostraram que o eterno se revela nos momentos mais ordinários.