A Virtude Escondida do Retorno

É bom voltar. Sentir o peso leve de estar em casa, recolher as cartas esquecidas sob a porta, abrir as janelas para o vento e redescobrir aquele espaço onde nossa alma, finalmente, não precisa dizer nada. Retornar é um ritual silencioso, uma intimidade com o próprio mundo, onde cada detalhe recupera sentido, e o coração, ainda que sem pressa, encontra repouso.

É bom retornar e, surpreendentemente, reassumir com prazer o que antes parecia cansativo. Reunir os pequenos esquecimentos, sorrir ao ver os objetos deixados sobre a cama no último momento de partida, na pressa desordenada de quem não consegue, nunca, preparar-se realmente para se ausentar. Desfazer as malas é um ato de simplicidade que projeta o futuro, mesmo que seja ao recolocar as roupas no armário – é um instante de presença no que ficou para trás, mas também de abertura para o que está por vir.

Nesse intervalo de partidas e chegadas, vivi um tempo precioso, um tempo de quietude, onde pude fazer o que há muito estava além de minhas possibilidades. Foi um tempo sem o brilho das palmas, sem o eco das plateias e a dispersão dos elogios que, na sua estranheza, às vezes nos afastam de nossa verdade. Foi um tempo para ouvir o silêncio, para compreender que o amor se apresenta mais vivo quando é chamado pela fragilidade.

Parti para cuidar de um amigo querido, abatido pela doença. É estranho como raramente nos programamos para estar ao lado de quem está bem. A fragilidade nos chama, e só então respondemos. Deixei a correria, desfiz compromissos. Porque, ali, naquele instante, nada era mais importante do que estar ao lado dele. Não pude fazer muito, mas desejei o direito de ocupar o meu coração com o que ocupava o dele. A febre, a dor, o desconforto ao comer, o medo quase inconfessável de não retornar – de não ter mais forças para recomeçar.

Enquanto o acompanhava, descobri uma luz que não era minha, mas que também me iluminava. Senti um sorriso leve surgindo de onde antes havia apenas preocupação, e vi o remédio fazer a febre ceder, o alimento restaurar, cada pequeno passo convidando a vida a recomeçar. A luz que emanava dali era velada, mas verdadeira; era uma centelha que esperava apenas o tempo e o cuidado para reacender.

Eu não sei exatamente o que se transformou em mim. É cedo para dizer o quanto fui feliz, talvez uma felicidade estranha, quase paradoxal, nascida da dor e envolta em um manto de preocupações. Mas, nesses dias, reconheci uma virtude em meu coração, uma graça evangélica que talvez não soubesse existir: a capacidade de dar a vida por quem amo. É uma descoberta rara, uma riqueza que, se há outra maior, eu não quero partir sem conhecer.

Voltar não é apenas chegar em casa – é encontrar a si mesmo nas simplicidades, no amor que se desvela no outro. É um retorno a algo maior, uma descoberta da vida que nasce nas pequenas renúncias.

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