Tempestade de Luz: A Revelação do Beco e da Consciência

Tempestade de Luz: A Revelação do Beco e da Consciência

Era 2005, uma segunda-feira. O relógio marcava por volta das 11h30 da manhã, e o pequeno quarto no Bairro Cariaciquense estava tomado por uma luz intensa. O sol parecia ter descido para dentro da janela, oferecendo uma clareza que mais confundia do que revelava. As venezianas quebradas e os vidros soltos na janela balançavam ao sabor do vento, enquanto eu observava o beco à frente.

Conseguia ver alguém, ou ao menos achava que via. Quem era? Não sabia. A luz ajudava, mas também atrapalhava. Há uma ironia no excesso de brilho: ele ofusca o que deveria revelar. Meus olhos corriam de um lado para o outro, exploravam cada canto. O céu parecia límpido, mas ao baixar o olhar, eu não via pessoas. Apenas morcegos. Eles voavam em uma confusão de asas, como se desafiados pela luz da manhã.

A luz, tão avassaladora quanto uma tempestade, parecia engolir tudo. Subi o olhar, como quem procura algo além, subi mais um degrau de coragem. A claridade se tornava escuridão em um piscar de olhos, e os raios solares, antes apenas presença, agora eram como pequenas lâminas que cortavam o ar. Decidi enfrentar. Levantei as venezianas, escancarei a janela e deixei a tempestade de luz invadir o quarto e me atingir.

Os raios solares eram como chicotes, cada um encontrando minha pele com precisão ardente. Não me escondi, mas minha resistência teve um preço: o suor começou a escorrer do meu rosto. Era mais do que suor. Era sal. Era uma nascente de algo que vinha de dentro de mim. O gosto de sal se misturava com uma sensação estranha. Cheirava a algo antigo, algo morto, como peixe e algas que o tempo esqueceu. Naquele instante, no meio de uma tempestade de luz que ofuscava e revelava, senti que estava vivendo um momento de pura verdade.

Olhei para o beco que se estendia à minha frente. Ele levava ao nada, ou talvez ao tudo que eu ainda não compreendia. Estava em um apartamento barato, recém-inaugurado, com paredes ainda cheirando a tinta fresca e móveis que rangiam sua precariedade. Mas não eram as paredes nem os móveis que importavam. Era eu. Ali, diante daquela janela, tive a experiência de mim mesmo. Um encontro solitário com a minha consciência.

Uma brisa arrogante, quase zombeteira, entrou pela janela e bateu em meu rosto. Era leve, mas carregava algo pesado, algo que me fez despertar. Era o toque final de um campo magnético que parecia ter se formado dentro e fora de mim, um equilíbrio tenso entre a energia que eu recebia e a que eu expulsava. Era como se o universo tivesse montado um espelho invisível, e eu estava olhando diretamente para ele.

Acendi uma vela. Não sei o porquê, mas parecia o que deveria ser feito. Peguei-a, levei até a janela e estendi o braço. A luz bruxuleante da vela contrastava com os raios solares, como uma pequena chama tentando resistir à imensidão de um sol que não perdoa. Mirei em direção ao beco e, em um grito que ecoou mais na minha alma do que no espaço à minha frente, exclamei:

— Onde ela está?

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