A amizade, para Tomás de Aquino, é um encontro de almas que transcende o efêmero. Quando ele diz que “amizade é querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas”, ele não se refere a um mero alinhamento de gostos ou preferências triviais. Em sua visão, amizade é a união de duas vontades que, ao se encontrarem, criam um campo de ressonância onde cada desejo e cada aversão ecoa de forma harmônica, como um acorde que revela a melodia da vida vivida em profundidade. É um espaço onde duas almas se encontram, se reconhecem, e ao compartilharem um desejo comum pelo bem e pela verdade, tornam-se cúmplices da eternidade.
Querer as mesmas coisas é mais do que um simples desejo compartilhado; é encontrar no outro um reflexo da própria sede pelo que é eterno e imutável. É como se as almas de dois amigos, ao se alinharem, revelassem uma paisagem oculta que antes era apenas um sussurro distante na consciência de cada um. Na amizade, esse sussurro se torna um canto, uma celebração silenciosa de tudo o que é belo, justo e verdadeiro. Amizade é, pois, uma forma de transcendência, onde o que é querido pelo outro se torna também o que eu mais quero, como se ambos fossem guiados por uma estrela comum, uma luz que os atrai para uma mesma direção, sem que precisem falar, sem que precisem explicar.
E rejeitar as mesmas coisas é um pacto secreto contra aquilo que corrompe a essência, é uma rebelião silenciosa contra tudo o que tenta desvirtuar o que de mais sagrado há em cada um. A amizade autêntica se revela nos momentos em que ambos dizem “não” ao que não condiz com a dignidade que compartilham. É como se, ao recusar aquilo que ameaça a pureza do que os une, os amigos se transformassem em muralhas um para o outro, guardiões de um templo que só pode ser compreendido por aqueles que conhecem o mistério que reside no coração de cada um. Nesse “não” compartilhado, há um sim implícito ao que é essencial, um sim àquilo que permanece quando tudo o mais desmorona.
A amizade verdadeira é um caminho sagrado, um solo onde floresce a verdade oculta em cada ser. Não é uma fusão que anula as identidades, mas uma dança em que cada um revela o seu próprio ritmo, ao mesmo tempo em que é capaz de ouvir e respeitar a melodia do outro. É a criação de uma nova realidade, onde os ideais se encontram e se multiplicam, onde o olhar de um reconhece no outro uma força que não pode ser comprada, uma pureza que o tempo não consegue apagar. A amizade é, então, um campo de forças, uma troca de energia invisível, onde cada gesto e cada palavra são fios que tecem uma trama de eternidade.
A amizade, nesse sentido, é um fogo que queima sem consumir, que aquece e ilumina as profundezas da alma. É um lugar onde os desejos se purificam e as vontades se encontram naquilo que é simples, mas grandioso. É um mistério que, mesmo nas sombras do sofrimento e da dor, revela uma chama que não se apaga, que persiste, como uma vela acesa nas noites mais escuras.
E eu me pergunto, o que é essa afinidade que nos faz querer as mesmas coisas? O que é esse impulso que nos leva a rejeitar os mesmos abismos? Talvez seja a própria voz da alma, que encontra eco na outra, que encontra no outro a coragem de ser autêntica, de ser vulnerável e forte ao mesmo tempo. Talvez seja o desejo de tocar, mesmo que por um instante, aquilo que está além da nossa compreensão, aquilo que se esconde nos silêncios, nos intervalos, nas pausas entre uma palavra e outra.
A amizade, assim, é um convite à eternidade. É a prova de que somos mais do que nossa solidão, mais do que nossos medos, mais do que nossos desejos. É a revelação de que, no fundo, queremos ser vistos, queremos ser compreendidos, queremos caminhar ao lado de alguém que partilhe do mesmo céu, do mesmo chão, dos mesmos sonhos. É descobrir, no outro, uma porta aberta para um mistério que se desdobra infinitamente. E ao atravessar essa porta, ao nos unirmos nessa jornada, tornamo-nos testemunhas de um amor que nunca se cansa de querer o bem e de rejeitar tudo o que nos afasta da verdade.
E é neste caminhar compartilhado, nesta comunhão de quereres e negações, que descobrimos a essência da amizade: uma chama que não se apaga, um espelho onde cada um reflete o melhor do outro, e juntos, vislumbram o brilho do eterno.