Na sala de minha casa, no segundo andar, no bairro Grande Vitória, o relógio não era um adversário. O tempo não tinha pressa, as horas não eram perseguidas, e a ansiedade, essa palavra tão comum agora, não existia. Naquele espaço, onde o simples reinava, a vida acontecia com a leveza de um disco girando no aparelho de som. O toca-discos era um dos objetos mais valiosos da casa, um verdadeiro altar da memória sonora. Lá estavam os LPs evangélicos, discos que não sei se papai e mamãe compraram ou ganharam, mas sei que estavam ali, preenchendo aquele ambiente com hinos que ecoam até hoje em mim.
Era uma sala comum, mas para mim era sagrada. O som estava ligado, e na simplicidade daquele momento, eu estava aprendendo a cantar. Cantava porque cantar era natural, tão natural quanto brincar ou sonhar. Minha imaginação não precisava de playback, não precisava de instrumentos; a voz era o único veículo necessário para dar vida àquelas melodias.
Cantei um hino que dizia:
“Eu vi um passarinho voando no céu,
Eu vi, um peixinho na água a nadar,
Eu vi, as borboletas nas flores pousar,
Eu vi, e foi Deus quem fez.
Eu vi, uma criança sorrindo feliz…”
Aquele hino era uma ode à criação divina, à beleza do mundo que uma criança pode ver com olhos puros. Eu me encantava com cada palavra, porque aquilo me aproximava de Deus e da vida. Eu cantava simplesmente para existir, para ser feliz naquele instante em que tudo parecia perfeito.
Outro hino que guardo na memória e que se repetia como um mantra:
“Eu sou príncipe, meu Pai é Rei, do Seu reinado eu nunca sairei…
Meu principado não é deste mundo,
Pois deste mundo eu sei que não sou…”
Essas palavras moldaram algo em mim. Eu me via como um príncipe, alguém que fazia parte de um reinado celestial, onde meu Pai era o Rei. Isso, naquela infância despretensiosa, dava uma firmeza à minha identidade. A canção era mais do que música; era uma semente plantada em meu coração, germinando a certeza de que eu tinha um lugar especial preparado por Deus.
Anos depois, essas músicas continuaram a me acompanhar, mas agora com um outro tom, mais pessoal, mais direto. Cantei, certa vez, um hino ensaiado especialmente para minha mãe. A igreja, que naquele período acontecia na casa da dona Minininha, foi o palco dessa homenagem. O hino dizia:
“Hoje é seu dia, mamãe, sobre você vou falar,
Do jardim da minha vida, uma rosa eu quero te dar,
Minha mãezinha querida, eu vivo aos cuidados seus,
Mamãe você é para mim, um presente de Deus.
Mamãe, foi através de você que eu passei a existir.”
Essa música carregava tudo o que eu sentia, mas que não sabia expressar com palavras comuns. Ela consolidava, como um selo divino, o papel essencial que minha mãe desempenhava em minha vida, um amor incondicional que me nutria e fortalecia. Naquele instante, em que a voz tremia e os olhos dela se enchiam d’água, a música fez o que as palavras sozinhas não conseguiam: tocou o coração.
Esses hinos, trazidos pela Equipe Obra de Amor, não foram apenas músicas que cantei. Foram molduras que sustentaram minha infância, esculpindo valores, preenchendo espaços, consolidando o amor de meus pais, a fé em Deus, e a beleza da vida. Cantava sem medo, sem a urgência do tempo. Naquele quintal, naquela sala, com aquele aparelho de som, a vida acontecia como deveria ser vivida: sem pressa, com leveza e com uma canção sempre no coração.